Por que até no estrangeiro se luta conta “a avaliação de docentes por desempenho”?
Marminho
Secretario do PSOL de Taubaté
Abril é o mês tanto do descobrimento Brasil quanto da Revolução dos Cravos (dia 25), a que democratizou Portugal. Abril também é o mês da nossa grande mentira histórica: o golpe militar do dia primeiro que, por cinismo, ficou re-datado para o dia anterior, marcando uma era de densas trevas no hemisfério sul. Entre uma efeméride e outra, professores do Brasil e Portugal terão uma data comum de luta: o dia 4. Organizadas pelo Movimento Escola Pública e pela Apeoesp, muitas semelhanças nos unem.
Foi para Sexta-Feira, 4 de Abril, em Lisboa, que se marcou, com uma noite de música e poesia, o começo da “Ação Em Defesa da Escola Pública”. Já na Segunda-Feira, dia 31 de março, a Plataforma Sindical dos professores fez a entrega ao Ministério da Educação de um abaixo-assinado com 20.000 assinaturas. A partir de 14 de Abril, os professores irão realizar as "Segundas-Feiras de protesto", em vários pontos Portugal. Mas, Do que se queixem nossos primos d’além-mar?
O Movimento Escola Pública de lá apela a todos os professores para suspender o processo de avaliação de desempenho na sua escola! O Secretário Adjunto Jorge Pedreira já admitiu que a Avaliação do Desempenho não pretende aumentar a qualidade da Educação, nem, muito menos, promover o desenvolvimento profissional dos docentes: na verdade, o objetivo é apenas contribuir para a redução do déficit público. No meio dessa polêmica, surge uma figura cada vez mais impopular, de frases infelizes, a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues.
Coincidentemente, foi para o 4 de abril, no Masp que a Apeoesp também programou um Assembléia dos professores com indicativo de greve. Entre os fósforos atirados à gasolina, estão, também por coincidência, as frases da Secretária Estadual da Educação, que também acha que o professorado ganha muito e produz pouco. Cá, como em Portugal, também os professores lutam contra a avaliação por desempenho.
A Educação no Brasil está em permanente crise desde a estúpida reforma Jarbas Passarinho, aquele que acabou com a qualidade da Escola Pública, até então superior à das particulares. De reforma em reforma, posteriormente, os absurdos não pararam, todos com dois objetivos: cortar custos, proletarizando o magistério, e tornar ineficiente o ensino, por meio de institutos academicamente incorretos, como a “aprovação automática”.
Essa lógica, que foi imposta justamente para acabar com a qualidade da Educação, está agora sendo reapresentada ao povo de São Paulo como medidas para melhorá-la. Mas, ela não tem origem somente nos escombros da Ditadura Militar. O fato de Portugal e Brasil confluírem em lutas muito parecidas no mesmo momento revela uma causa mais profunda: a lógica das relações laborais e de mercado na era do capitalismo da informação estão penetrando o setor público. (O famigerado neo-liberalismo outra vez.)
A premiação por desempenho estimula a produtividade em sociedades onde o trabalho assalariado é já (super-) valorizado, ou seja, nos países do primeiro mundo onde existe a certeza de que quanto mais se trabalha mais se ganha. No caso dos paises do terceiro mundo, onde os salários são baixos, esse mesmo sistema agrava a exploração da mão-de-obra, seja braçal seja intelectual. Brasil e Portugal têm essa característica em relação aos países mais ricos do seus respectivos continentes: ordenados rebaixados para benefício de multinacionais que aos poucos vão dominando todos os setores das suas economias e, portanto, não querem deixar de fora nem áreas como a Educação, a Saúde e a Previdência. Neles, os governos são pressionados a desmontar seus sistemas educativos para posteriormente terceirizá-los, mesmo que a maioria ampla da sociedade democraticamente tenha feito a grande opção pela grande inclusão à Escola Pública com qualidade (conforme preconizam os tratados da União Européia, num caso, e a Constituição Federal do Brasil, no outro). As pressões dos grupos econômicos tendem a prevalecer, salvo quando existem contra-pressões populares: E é isso justamente o que as ações em defesa da Escola Pública pretendem nos dois países.
Enfim, Abril de 2008 promete mais datas de enfrentamento entre forças democráticas e anti-democráticas, mais luta de classes, batalhas entre as canetas e os canhões. Veremos se desta vez o povo do Brasil finalmente porá flores às lapelas para em grandes caminhadas tomar as ruas...
segunda-feira, 31 de março de 2008
domingo, 30 de março de 2008
A luta pelo direito
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO
A OCUPAÇÃO de terrenos públicos e privados por famílias sem teto é indubitavelmente uma desordem. Ninguém pode gostar disso. Mas, certamente, ninguém gosta menos do que as famílias obrigadas a esse expediente para escapar do barraco à beira de um fétido esgoto, da cama de papelão em baixo do viaduto, da promiscuidade perigosa dos cortiços. Há 620 mil pessoas nessas condições só na Grande São Paulo.
A Constituição de 1988 outorgou aos municípios brasileiros faculdades suficientes para uma intervenção eficaz no problema da falta de moradias.
Admitindo implicitamente que a causa principal é a especulação imobiliária, o texto constitucional outorgou quatro faculdades específicas aos municípios a fim de aparelhá-los para intervir no mercado imobiliário urbano: facultou o parcelamento compulsório dos terrenos ociosos com pagamento das indenizações mediante títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos; permitiu a construção compulsória em terreno particular; instituiu o usucapião de cinco anos em favor da família que ocupar área urbana de até 250 metros2; e estabeleceu a progressividade do IPTU. Obviamente essas regras seriam desnecessárias se a especulação não campeasse solta.
Mas elas não adiantaram grande coisa. Prefeitos e vereadores não têm coragem de aplicá-la; a legislação ordinária regulamentadora do preceito contribuiu mais para dificultar sua aplicação do que para torná-la expedita; e o Judiciário, sem dizer, se encarregou de revogá-la, caso a caso, sempre que sua aplicação ferisse o interesse do capital imobiliário.
Os governos preferem jogar dinheiro na construção de casas, medida que sabem não resolver o problema. Mas, a crer nos multicoloridos "folders", sempre repletos de fotografias dos prédios construídos e de beneficiários agradecidos e benfeitores generosos, o problema já está resolvido.
A realidade, porém, é muito outra: 2,3 milhões de famílias moram em casas inadequadas, o que inclui habitações em situação de risco, sem instalações sanitárias, sem nenhum tipo de infra-estrutura urbana. Somando todos os programas de moradia e ajustando o ritmo da construção ao ritmo do crescimento das cidades, o problema não será resolvido em menos de 20 anos. Enquanto isso, estatísticas oficiais registram 6,7 milhões de domicílios vazios no Brasil -clara evidência de que a solução não está apenas nos programas de construção de casas populares.
Sempre que a falta de moradia ocasiona alguma catástrofe -o que, de resto, ocorre com muita freqüência-, a mídia faz piedosas reportagens sobre o assunto, evitando cuidadosamente abordar o cerne do problema: a especulação imobiliária e a regressividade da tributação da terra urbana.
Ante essa realidade, pergunta-se: o que devem fazer esses milhões de pessoas? Ou: o que o leitor faria se estivesse na situação dessas famílias?
A maioria dos mal-alojados prefere esperar que um governante de "bom coração" ou algum político interessado no seu voto resolva o problema.
Porém, há, no meio dessa massa, uma pequena parcela que, conscientizada por grupos políticos sérios, decidiu agir: organizou-se em um movimento e passou a fazer ocupações de terrenos vazios. Essas entidades estão fazendo manifestações de protesto em nove Estados do país.
A cidadania precisa apoiá-las, quando mais não seja, defendendo a legitimidade desses protestos em seus círculos de convivência. Só isso ajudaria muito, pois a opinião pública favorável inibe a repressão.
A ocupação de terras é forma legítima de afirmação de direitos numa sociedade que não estabelece mecanismos civilizados para que as pessoas possam ver tais direitos assegurados e na qual nem o governo nem a sociedade se importam com a sorte dos sem-teto.
É porque tomaram consciência disso que esses sem-teto se sujeitam às bombas de efeito moral, ao gás lacrimogêneo, às balas de borracha, à vida (sem água e sem instalações sanitárias) numa barraca de plástico.
Obviamente, entre fazer alguma coisa para ajudar a resolver o problema e não fazer nada, a atitude mais cômoda é inegavelmente a segunda, pois a polícia acabará retirando os ocupantes e, portanto, a "ordem" voltará a prevalecer.
Há nessa atitude, contudo, um terrível equívoco: ao "tirar" os ocupantes, a polícia não faz senão gerar mais ocupantes. E vai continuar "tirando" e "gerando" até o dia em que não conseguir mais "tirar" ninguém.
Aí...
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO , 77, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
| Ante tal realidade, pergunta-se: o que devem fazer esses milhões de pessoas? Ou: o que o leitor faria se estivesse na situação dessas famílias? |
A OCUPAÇÃO de terrenos públicos e privados por famílias sem teto é indubitavelmente uma desordem. Ninguém pode gostar disso. Mas, certamente, ninguém gosta menos do que as famílias obrigadas a esse expediente para escapar do barraco à beira de um fétido esgoto, da cama de papelão em baixo do viaduto, da promiscuidade perigosa dos cortiços. Há 620 mil pessoas nessas condições só na Grande São Paulo.
A Constituição de 1988 outorgou aos municípios brasileiros faculdades suficientes para uma intervenção eficaz no problema da falta de moradias.
Admitindo implicitamente que a causa principal é a especulação imobiliária, o texto constitucional outorgou quatro faculdades específicas aos municípios a fim de aparelhá-los para intervir no mercado imobiliário urbano: facultou o parcelamento compulsório dos terrenos ociosos com pagamento das indenizações mediante títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos; permitiu a construção compulsória em terreno particular; instituiu o usucapião de cinco anos em favor da família que ocupar área urbana de até 250 metros2; e estabeleceu a progressividade do IPTU. Obviamente essas regras seriam desnecessárias se a especulação não campeasse solta.
Mas elas não adiantaram grande coisa. Prefeitos e vereadores não têm coragem de aplicá-la; a legislação ordinária regulamentadora do preceito contribuiu mais para dificultar sua aplicação do que para torná-la expedita; e o Judiciário, sem dizer, se encarregou de revogá-la, caso a caso, sempre que sua aplicação ferisse o interesse do capital imobiliário.
Os governos preferem jogar dinheiro na construção de casas, medida que sabem não resolver o problema. Mas, a crer nos multicoloridos "folders", sempre repletos de fotografias dos prédios construídos e de beneficiários agradecidos e benfeitores generosos, o problema já está resolvido.
A realidade, porém, é muito outra: 2,3 milhões de famílias moram em casas inadequadas, o que inclui habitações em situação de risco, sem instalações sanitárias, sem nenhum tipo de infra-estrutura urbana. Somando todos os programas de moradia e ajustando o ritmo da construção ao ritmo do crescimento das cidades, o problema não será resolvido em menos de 20 anos. Enquanto isso, estatísticas oficiais registram 6,7 milhões de domicílios vazios no Brasil -clara evidência de que a solução não está apenas nos programas de construção de casas populares.
Sempre que a falta de moradia ocasiona alguma catástrofe -o que, de resto, ocorre com muita freqüência-, a mídia faz piedosas reportagens sobre o assunto, evitando cuidadosamente abordar o cerne do problema: a especulação imobiliária e a regressividade da tributação da terra urbana.
Ante essa realidade, pergunta-se: o que devem fazer esses milhões de pessoas? Ou: o que o leitor faria se estivesse na situação dessas famílias?
A maioria dos mal-alojados prefere esperar que um governante de "bom coração" ou algum político interessado no seu voto resolva o problema.
Porém, há, no meio dessa massa, uma pequena parcela que, conscientizada por grupos políticos sérios, decidiu agir: organizou-se em um movimento e passou a fazer ocupações de terrenos vazios. Essas entidades estão fazendo manifestações de protesto em nove Estados do país.
A cidadania precisa apoiá-las, quando mais não seja, defendendo a legitimidade desses protestos em seus círculos de convivência. Só isso ajudaria muito, pois a opinião pública favorável inibe a repressão.
A ocupação de terras é forma legítima de afirmação de direitos numa sociedade que não estabelece mecanismos civilizados para que as pessoas possam ver tais direitos assegurados e na qual nem o governo nem a sociedade se importam com a sorte dos sem-teto.
É porque tomaram consciência disso que esses sem-teto se sujeitam às bombas de efeito moral, ao gás lacrimogêneo, às balas de borracha, à vida (sem água e sem instalações sanitárias) numa barraca de plástico.
Obviamente, entre fazer alguma coisa para ajudar a resolver o problema e não fazer nada, a atitude mais cômoda é inegavelmente a segunda, pois a polícia acabará retirando os ocupantes e, portanto, a "ordem" voltará a prevalecer.
Há nessa atitude, contudo, um terrível equívoco: ao "tirar" os ocupantes, a polícia não faz senão gerar mais ocupantes. E vai continuar "tirando" e "gerando" até o dia em que não conseguir mais "tirar" ninguém.
Aí...
PLINIO DE ARRUDA SAMPAIO , 77, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e diretor do "Correio da Cidadania". Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
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