segunda-feira, 26 de maio de 2008

Questões Ideológicas

Desemprego e precarização: um grande desafio para a esquerda

Ligações: Movimento Esquerda Socialista, Resistir.info, Zurdo-Zurdo, Vinculando.org, Fundação Lauro Campos,

Introdução

Escolhi este assunto para a nossa discussão por duas razões principais. Primeiro, porque a questão afeta todas as cambiantes da esquerda. Pois no nosso tempo nenhuma secção da força de trabalho pode considerar-se imune à desumanizante dureza do desemprego e da precarização. De fato "eventualização" ("casualisation") é mais apropriadamente chamada em algumas línguas de "precarização" ("precarisation") , embora em geral seja tendenciosamente mal representada como "emprego flexível" desejável. Uns poucos meses atrás uns 25 mil empregados do Wesminster Bank tiveram de enfrentar a perspectiva do desemprego (redundancy); hoje os trabalhadores da empresa automobilística Rover - uma parte da bancarrota da orgulhosa corporação transnacional BMW - são lançados aos lobos da insegurança total. A questão não é se o desemprego ou a "precarização flexível" vai ameaçar as pessoas ainda empregadas mas sim quando elas irão partilhar as agruras da precarização forçada. A segunda razão principal para nos preocuparmos com esta questão é porque ela representa um inultrapassável problema estrutural para o capital. Assim, é impensável que a esquerda possa desenvolver uma estratégia viável para o futuro sem dar um lugar central à questão vital do desemprego e da precarização.Tenciono hoje considerar três aspectos principais daquilo que está em jogo.

1- A "globalização" do desemprego e da precarização, afetando mesmo as partes do mundo capitalisticamente mais desenvolvidas.

2- O mito da "flexibilidade" com o qual a pílula amarga é coberta de açúcar. Pois do que estamos a falar é de fato a grave tendência socioeconômica da equalização descendente (downward equalisation) da taxa de exploração diferencial.

3- A única solução factível para os problemas que enfrentamos é abandonar as trocas socioeconômicas reguladas pela submissão à tirania do "tempo de trabalho necessário" (também chamado "trabalho necessário") para a emancipação através do "tempo disponível" como a alternativa positiva ao modo de reprodução social metabólica do capital.

Como ponto de partida, podemos considerar a questão da redução da semana de trabalho para 35 horas a qual, não por acaso, veio a apresentar-se nos últimos tempos.

Parte I ─ A "globalização" do desemprego


Socialistas em vários países europeus - assim como na América do Norte e do Sul - estão a combater pelo objetivo de reduzir o tempo de trabalho para 35 horas por semana sem perda de pagamento. Esta importante reivindicação estratégica não está de forma alguma livre de dificuldades. Pois ela destaca tanto os prementes problemas do desemprego por todo o mundo como as contradições do sistema socioeconômico que, por sua própria perversa necessidade, impõe a incontáveis milhões as dificuldades e os sofrimentos que decorrem do desemprego. Assim, o combate pelas "35 horas de trabalho" não pode ser uma reivindicação sindicalista tradicional, confinada aos mecanismos há muito estabelecidos das negociações salariais. Ao contrário, tem de estar plenamente consciente não só da magnitude da tarefa e das implicações a longo prazo das questões em causa e também da inevitável resistência tenaz da ordem socioeconômica, a qual deve seguir os seus próprios imperativos a fim de anular qualquer concessão que possa ser feita na esfera legal/política sob condições temporariamente favoráveis aos sindicatos e aos seus representantes políticos à esquerda. Compreensivelmente, portanto, na Itália por exemplo, o partido da Rifondazione no seu modo de levantar o problema simultaneamente sublinha a preocupação com o aumento do emprego e da melhoria das condições de vida ("per l'occupazione & per migliorare la vita") e a necessidade de mudar a sociedade ("per cambiare la società") a fim de assegurar o objetivo desejado de abreviar o tempo de trabalho numa base viável. Pois o êxito final neste assunto só é factível através de uma troca sustentada - uma reciprocidade dialética - entre o combate pelo objetivo imediato do tempo de trabalho reduzido significativamente e a progressiva transformação da ordem social estabelecida, a qual não pode contribuir para resistir e anular tais reivindicações. Aqueles que negam a legitimidade destas reivindicações, exaltando em alternativa as virtudes do seu querido sistema, continuam a idealizar o modelo americano para resolver o problema do desemprego bem como todos os males sociais inseparáveis do mesmo. Ainda assim, um exame rápido do estado real dos negócios revela que as confortáveis idealizações dos EUA pertencem ao reino da fantasia. Pois, como enfatizou um editorial de The Nation :

"A taxa de pobreza no último ano, 13,7 por cento, era mais elevada do que em 1989, apesar de sete anos de crescimento quase ininterrupto. Aproximadamente 50 milhões de americanos - 19 por cento da população - vive abaixo da linha nacional de pobreza. Aqueles na pobreza incluem uma em cada quatro crianças abaixo dos 18 anos, um em cada cinco cidadãos adultos e três em cada cinco famílias monoparentais. Em dólares constantes, os rendimentos médios semanais dos trabalhadores caíram de US$ 315 em 1973 para US$ 210, enquanto os 5 por cento mais ricos ganhavam uma média de US$ 6440 (não contando seus ganhos de capitais). ... O número de americanos sem seguro de saúde mantinha-se em 40,6 milhões em 1995, um aumento de 41 por cento desde meados da década de setenta. Em 1995, quase 80 por cento dos não assegurados estavam em famílias onde o chefe da família tinha um emprego." [1]

É assim que aparece o róseo modelo americano desde que se esteja disposto a abrir os olhos. Podemos também acrescentar aqui um número mais significativo fornecido recentemente pelo Gabinete do Orçamento do Congresso dos EUA, não objetável nem mesmo para os piores apologistas do capital. Ele informa-nos que o rendimento dos um por cento mais ricos da população é equivalente àquele dos 40 por cento da base. E ainda mais importante: também se verifica que este número aterrador realmente duplicou nas últimas duas décadas, em conseqüência da crise estrutural do capital. Assim, nenhuma camuflagem cínica da deterioração das condições de trabalho, não importa quão ilusoriamente adulterada com a benção da "flexibilidade", pode esconder as sérias implicações desta tendência para o futuro da expansão e acumulação do capital. As estatísticas do desemprego podem, naturalmente, ser trapaceadas ou definidas e redefinidas de forma totalmente arbitrária não só nos EUA como em todos os países do assim chamado "capitalismo avançado". Na Grã-Bretanha, por exemplo, mesmo os apologistas profissionais do sistema do capital - os editores do London Economist - tiveram de admitir que os números do desemprego foram "revistos" 33 vezes pelo governo a fim de faze-los parecer mais apresentáveis. Sem mencionar o fato de que qualquer um que trabalhe 16 horas por semana na Grã-Bretanha é contado como se desfrutasse de um emprego a tempo inteiro. E, ainda mais surpreendentemente, no Japão - um país que até recentemente era saudado como um caso paradigmático de "capitalismo dinâmico avançado" - "qualquer um que efetue trabalho assalariado por mais de uma hora na última semana do mês deixa de ser incluído nas estatísticas de desemprego". [2] Mas quem pode ser enganado por tais artifícios de manipulação econômica e política? Pois não importa quão arranjada e tortuosa seja a adulteração do estado de coisas existente, o desafio potencialmente muito grave do desemprego não pode ser evitado em qualquer dos países capitalisticamente mais avançados. Dessa forma, seja o que for que os números das estatísticas apologéticas possam sugerir, já não é mais possível ocultar o alarme acerca dos registros de desemprego em ascensão constante no Japão e o aprofundamento da recessão econômica que isto implica. Na realidade, a dramática ascensão do desemprego nos países capitalistas avançados não é um fenômeno recente. Ela surgiu no horizonte - depois de 25 anos de uma expansão do capital no pós-guerra relativamente sem perturbações - com o princípio da crise estrutural do sistema do capital como um todo. Surgiu como a característica necessária e sempre em agravação desta crise estrutural. Consequentemente, argumentei em 1971 que sob as condições em desdobramentos do desemprego

"O problema não é mais apenas a condição difícil dos trabalhadores não qualificados mas também a de vastas quantidades de trabalhadores altamente qualificados que estão agora a perseguir, em acréscimo ao primitivo mar de desempregados, os escassos empregos disponíveis. Além disso, a tendência da amputação "racionalizante" já não está mais confinada aos "ramos periféricos da indústria envelhecida" mas abrange alguns dos mais desenvolvidos e mais modernizados sectores da produção - desde estaleiros navais e aviação à eletrônica, e da engenharia à tecnologia do espaço. Assim, já não estamos preocupados com os "normais", e bem aceites, subprodutos do "crescimento e desenvolvimento" mas sim com sua tendência para uma travagem, nem na verdade com os problemas periféricos dos "bolsões de subdesenvolvimento" e sim com uma contradição fundamental do modo de produção capitalista como um todo que converte até as últimas conquistas do "desenvolvimento", da "racionalização" e da "modernização" em fardos paralisantes de subdesenvolvimento crônico. E, acima de tudo, a agência humana que se considera como a receptadora final já não são as pessoas "desfavorecidas" socialmente e sem poder, multidão apática e fragmentada, mas todas as categorias de trabalho qualificado e não qualificado: i.e., objetivamente a força de trabalho total da sociedade".


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