sexta-feira, 11 de abril de 2008

CAPITALISMO E EFEITO ESTUFA

Ambiente:
Vai o capitalismo sobreviver às alterações do clima?

Ligações: Ecoblogue, Esquerda.net
09-Abr-2008

Walden Bello
The Bangkok Post, 31 Março 2008

O aquecimento global é a privatização dos bens comuns pelo capital o que agora envolve a expropriação dos espaços ecológicos do Sul. Uma estratégia climática progressiva deve reduzir o crescimento e o uso de energia enquanto aumenta a qualidade de vida da grande maioria das pessoas.

Existe agora um consenso sólido na comunidade científica de que se a temperatura média global no século XXI exceder os 2,4ºC, alterações no clima do Planeta serão de larga escala, irreversíveis e desastrosas.

E ainda mais, a janela de oportunidade para a ação que pode fazer a diferença é pequena, ou seja, os próximos 10 a 15 anos.

No Norte, no entanto, há uma forte resistência em alterar os sistemas de consumo e produção que criaram o problema em primeiro lugar e preferem-se soluções tecnológicas, como o carvão “limpo”, seqüestro e armazenamento de carbono, biocombustíveis à escala industrial e energia nuclear.

Globalmente, as corporações transnacionais e outros atores privados resistem a medidas de imposição política, como as quotas de emissões, preferindo utilizar mecanismos de mercado como a compra e venda de “créditos de carbono”, os quais os críticos dizem que simplesmente são adicionados às licenças concedidas às empresas poluidoras para continuarem a poluir.

No Sul, há pouca vontade por parte das elites nacionais para se distanciarem do modelo de elevado crescimento e alto consumo herdado do Norte e uma convicção interesseira de que o Norte deve primeiro ajustar e suportar o grosso do ajustamento antes do Sul tomar qualquer passo sério para a limitação das emissões de gases de efeito de estufa.

Contornos do Desafio

Nas discussões sobre as alterações climáticas, o princípio da “responsabilidade comum mas diferenciada” é reconhecido por todas as partes, significando que o Norte global deve suportar o grosso do ajustamento à crise climática, uma vez que foi a sua trajetória econômica que a originou.

O diabo, no entanto, está nos detalhes. Como Martin Khor da Rede do Terceiro Mundo apontou, a redução global de 80% das emissões de gases de efeito de estufa em relação aos níveis de 1990 até 2050 que muitos reconhecem agora necessária, terá de se traduzir em reduções de pelo menos 150-200% por parte do Norte Global se os dois princípios – “responsabilidade comum mas diferenciada” e o reconhecimento do direito ao desenvolvimento dos países do Sul – são seguidos.

Mas estão os governos e as populações do Norte preparadas para fazer tais compromissos?

Psicológica e politicamente, é duvidoso que o Norte nesta altura tenha o que é preciso para enfrentar de frente o problema.

A assunção prevalecente é de que as sociedades abundantes podem tomar compromissos para reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa mas ainda crescer e usufruir dos seus elevados padrões de vida se mudarem para fontes de energia não fósseis.

Além disso, os cortes de emissões acordados multilateralmente pelos governos são aplicados no país com base no mercado, ou seja, no comércio das licenças de emissão.

O contexto subjacente é: as soluções tecnológica e o mercado de carbono vão fazer a transição relativamente indolor e (porque não?) lucrativa, também.

Existe, no entanto, uma constatação crescente de que muitas destas tecnologias estão a décadas de distância de um uso viável e que, no curto e médio prazo, a mudança da dependência energética para alternativas não fósseis de combustíveis não vai ser capaz de suportar as atuais taxas de crescimento econômico.

Também, é uma evidência crescente de que a entrega de terras aráveis à produção de biocombustíveis significa menos terras para produzir alimentos e uma maior insegurança alimentar global.

Está rapidamente a tornar-se claro que o paradigma econômico dominante é um dos maiores obstáculos a um esforço sério global para lidar com as alterações climáticas.

Mas este desestabilizante e fundamentalista paradigma de crescimento do consumo é mais um efeito do que a causa.

O problema central é o modo de produção cuja principal dinâmica é a transformação da natureza viva em mercadorias mortas, criando um tremendo lixo no processo.

O condutor deste processo é o consumo – ou mais apropriadamente o sobreconsumo – e a motivação é o lucro ou acumulação de capital: capitalismo, para resumir.

Foi a generalização deste modo de produção no Norte e a sua transferência do Norte para o Sul nos últimos 300 anos que causou a aceleração da queima dos combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão e a rápida desflorestação, dois dos principais processos antropogênicos por detrás do aquecimento global.

O Dilema do Sul

Uma forma de olhar o aquecimento global é vê-lo como uma manifestação chave de um estágio último de um processo histórico: a privatização dos bens comuns pelo capital.

A crise climática deve por isso ser visto como a expropriação pelas sociedades capitalistas avançadas do espaço ecológico das sociedades menos desenvolvidas ou marginalizadas.

Isto leva-nos ao dilema do Sul: antes de toda a extensão da desestabilização ecológica provocada pelo capitalismo era esperado que o Sul simplesmente seguisse os “estágios de crescimento” do Norte.

Agora é impossível de o fazer sem provocar o Armageddon ecológico. A China já está no caminho de ultrapassar os EUA como o maior emissor de gases de efeito de estufa, e também a elite da China como a dos países como a Índia ou outros países de rápido crescimento estão a tentar reproduzir o capitalismo do tipo americano de sobre-consumo.

Por isso, para o Sul, a implicação de uma resposta efetiva global às alterações climáticas inclui não só a inclusão de alguns países no regime de reduções obrigatórias das emissões de gases de efeito de estufa, apesar disto ser crítico: nas atuais negociações climáticas, por exemplo, a China, não pode mais ficar fora deste regime com base no argumento de que é um país em desenvolvimento.

Nem pode o desafio para a maioria dos outros países em desenvolvimento ser limitado ao conseguir que o Norte transfira tecnologia para mitigar o aquecimento global e providencie fundos para os assistir a adaptar-se a ele, como muitos deles aparentaram pensar durante as negociações de Bali.

Estes passos são importantes, mas eles devem ser vistos como os passos iniciais de um reorientação global mais vasta do paradigma de se atingir o bem-estar econômico.

Enquanto o ajustamento precisa de ser maior e mais rápido no Norte, o ajustamento para o Sul vai ser essencialmente o mesmo: uma ruptura com o modelo de elevado crescimento e alto consumo em favor de outro modelo para se atingir o bem-estar comum.

Em contraste com a estratégia da elite do Norte de tentar desacoplar o crescimento do uso energético, uma estratégia climática progressiva tanto no Norte como no Sul deve ser reduzir o crescimento e o uso de energia enquanto aumenta a qualidade de vida do conjunto das pessoas.

Entre outras coisas, isto irá significar colocar a justiça econômica e equidade no centro do novo paradigma.

A transição deve ser não apenas para uma economia assente nos combustíveis fósseis mas também para uma economia conduzida pelo sobre-consumo.

O objetivo final deve ser a adoção de um modelo de baixo consumo, baixo crescimento e elevada equidade que resulte na melhoria do bem-estar das pessoas, uma melhor qualidade de vida para todos e um maior controlo democrático da produção.

É improvável que a elite do Norte e do Sul concordem com esta resposta. O mais longe que eles estão dispostos a ir é para soluções tecnológica e um sistema de mercado de quotas e comércio. O crescimento será sacrossanto, como será o sistema do capitalismo global.

No entanto, confrontada com o Apocalipse, a Humanidade não se pode autodestruir.

Pode ser um caminho difícil, mas podemos estar seguros que a vasta maioria não se vai comprometer com o suicídio social e ecológico para permitir que uma minoria preserve os seus privilégios.

Seja como for que isto seja conseguido, uma reorganização da produção, consumo e distribuição vai ser o resultado final da resposta da humanidade à emergência climática e à crise ambiental geral.

Ameaça ou Oportunidade

Deste ponto de vista as alterações climáticas são tanto uma ameaça como oportunidade de trazer as longas e adiadas reformas sociais e econômicas que têm sido atrasadas ou sabotadas nas anteriores eras pela elite, de forma a preservar ou aumentar os seus privilégios.

A diferença é que hoje a própria existência da humanidade e do planeta depende da institucionalização de sistemas econômicos assentes não na extração da renda feudal ou na acumulação de capital ou exploração de classe, mas na justiça e igualdade.

A questão frequentemente colocada nos dias atuais é se a humanidade vai ser capaz de atuar conjuntamente para formular uma resposta efetiva às alterações climáticas. Eu espero que sim.

No sistema social e econômico que será coletivamente construído, eu antecipo que haverá espaço para o mercado.

No entanto, a questão mais interessante é: haverá lugar para o capitalismo? Vai o capitalismo enquanto sistema de produção, consumo e distribuição sobreviver ao desafio de conseguir uma solução efetiva para a crise climática?

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