sexta-feira, 4 de abril de 2008

RELAÇÕES PERIGOSAS ENTRE PÚBLICO E PRIVADO

Internacional: Portugal

Metade das grandes empresas tem gestores que já foram governantes
Ligação: Esqueda.net
03-Abr-2008
A anunciada passagem de Jorge Coelho para a presidência da empresa de construção Mota-Engil está longe de ser um caso único. Num estudo publicado hoje pelo Diário Económico conclui-se que metade das empresas cotadas no PSI-20 tem ex-governantes nos seus quadros. Muitos deles exercem funções em empresas da área que tutelaram enquanto estavam no governo. A lei actual prevê um período de nojo de apenas três anos. O Bloco de Esquerda propõe o alargamento deste período para dez anos.

Tudo indica que Jorge Coelho, ex-ministro das obras públicas, assumirá em Maio a presidência da maior empresa de construção do país, a Mota-Engil. Numa entrevista ao Diário Económico, quando confrontado com esta possibilidade Jorge Coelho respondeu: "Eu tenho de trabalhar, não?"

Mas o estudo exaustivo do Diário Económico mostra que este caso está muito longe de ser único. Metade das grandes empresas têm ex-governantes nos seus quadros e 10% dos administradores do PSI - 20 passaram por governos.

Contactados pelo Diário Económico, Pina Moura (antigo ministro das Finanças e actual presidente da Média Capital e da Iberdrola) e Manuela Ferreira Leite (administradora do Santander e também ex-ministra das Finanças) recusam-se a falar sobre o tema. Mira Amaral, que foi ministro do trabalho dos governos de Cavaco Silva e ocupa cargos de relevo na administração privada, aceitou falar: "O Paulo Teixeira Pinto quando chegou ao Governo nem sabia o que era um banco e o Pina Moura o que era energia", lembra o ex-ministro do Trabalho.

Outro caso bem conhecido é o de Ferreira do Amaral, ex-ministro das Obras Públicas que agora é presidente da Lusoponte. "A lei preocupa-se com isso e estabelece uma norma: três anos sem contactos ", disse ao Diário Económico em Fevereiro deste ano. A lei efectivamente estabelece um período "de nojo" de três anos, mas prevê algumas excepções, como a assessoria ou consultoria, ou o facto de determinada empresa não ter beneficiado de incentivos financeiros ou fiscais por parte do Estado. Há um mês atrás, o Bloco de Esquerda apresentou uma proposta para mudar as regras deste jogo viciado, prevendo um período de 10 anos entre o exercício de um cargo de governo e o de administração de uma empresa da área tutelada.

Mas os exemplos nesta matéria abundam. "Quando criei os hospitais SA, tive uma preocupação com a gestão dos recursos", diz Luís Filipe Pereira, que garante ter sido melhor ministro da Saúde (nos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes) precisamente pelos vários anos de experiência que tinha como gestor. "Tive muitas propostas quando sai do ministério", diz.

A Cimpor é um caso paradigmático. "A maioria do conselho de administração da Cimpor passou pelo Governo, mas não me recordo de todos", conta fonte oficial da empresa, que sublinha o facto de esta ter pertencido ao Estado: "Os membros eram todos nomeados." No fundo, é tudo uma questão de "elasticidade", segundo um destacado empresário que ocupou cargos políticos.


Jorge Coelho, como Ministro das Obras Públicas, em 2000. Foto de arquivo da Lusa

Jorge Coelho, como Ministro das Obras Públicas, em 2000. Foto de arquivo da Lusa.

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