FOME: UM PROBLEMA SOCIAL MAIS DO QUE FALTA DE ALIMENTOS A atual situação não deixa margem para ilusões: a crise alimentar resultou da total incapacidade do mercado de conduzir à segurança alimentar.
Os preços dos principais grãos, a saber trigo, milho, arroz e soja, em média duplicaram o preço (em dólar) no mercado internacional desde 2006. Nos últimos dois anos o preço médio (em dólar) dos fertilizantes no mercado internacional aumentou ao redor de 100%. O modo industrial de produzir na agricultura, baseado no uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e mecanização intensiva têm afetado o equilíbrio e a fertilidade dos solos em 20% de toda área cultivada. Sendo que em diversos países da África e da América central já afeta 70% da área cultivada.
No Brasil, o feijão aumentou 207,42% entre março de 2007 e fevereiro de 2008. Os números foram medidos pelo Dieese, que aponta o alimento como o grande responsável pela alta do custo de vida. A batata subiu 51,83%, o leite, 25,18%, a carne bovina, 21,63% e o leite em pó, 46,99%. São itens cujo aumento afeta diretamente o bolso e a mesa das famílias de todos os trabalhadores. Por sua vez, a Fundação Getúlio Vargas mediu um aumento de 15,65% no preço do óleo de soja apenas em janeiro e fevereiro deste ano. Em 2007, o óleo já tinha sofrido uma alta de 36%.
Em São Paulo, a cesta básica subiu 17,9%, fechando 2007 como a mais cara do país (R$ 223,94). Na seqüência, vem Porto Alegre (R$ 216,12), seguida pelo Rio de Janeiro (R$ 214,66) e Belo Horizonte (R$ 213,48).
Segundo um cálculo do Dieese, o trabalhador que ganha um salário mínimo precisou cumprir, em média, uma jornada de 102 horas e 16 minutos para comprar a cesta básica. O mesmo estudo aponta que só em São Paulo o trabalhador que recebe um mínimo teve de trabalhar quase 119 horas em março para poder comprar alimentos essenciais. De acordo com o estudo, a compra da cesta comprometeu 50,53% do rendimento destes trabalhadores.
AS CAUSAS DO AUMENTO DO PREÇO DOS ALIMENTOS NO MUNDO
Por que os preços dos alimentos sobem em todo mundo, inclusive no Brasil? O aumento de preços tem razões profundas e outras mais imediatas, mas é principalmente um reflexo do agronegócio e da globalização na produção agrária em todo o mundo. As grandes empresas do agronegócio controlam o campo, o que leva a conseqüências muito sérias: o agravamento da concentração das terras (com a expulsão dos camponeses do campo) e a regulação dos preços dos alimentos pelo mercado mundial (o que encarece os produtos). No fim das contas, existe a perda da soberania alimentar dos países, que deixam de produzir a comida necessária para a população, dirigindo a produção para a exportação.
A alta dos preços é resultado de três fatores:
1- Cerca de apenas 40 grandes empresas transnacionais com sede nos Estados Unidos e na Europa, que subordinando outras empresas medianas, controlam toda a produção e comércio agrícola do mundo. Essas empresas controlam tanto os insumos agrícolas, como sementes, agrotóxicos e fertilizantes, como o comércio da produção agrícola no mundo). No período de 2006 e 2007, todas essas empresas tiveram aumento em suas taxas de lucro líquido, uma média de 60% ao ano.
2- A especulação financeira está atacando a agropecuária! Como há uma crise do setor financeiro, investidores que não conseguem mais ganhar dinheiro com juros estão especulando com produtos minerais e agrícolas.
3- Os governos praticamente não têm mais nenhum controle dos estoques de alimentos. Quase tudo foi desarticulado pela onda neoliberal. Os governos controlam no máximo as estatísticas do volume de produtos agrícolas estocados, mas o seu controle é feito pelo capital privado.
4- Diminuiu a área de cultivo de alimentos voltados para o mercado interno, que vem sendo substituído por lavouras para a exportação e para a indústria. Vem decaindo ano a ano a produção de produtos básicos dos hábitos alimentares brasileiros, como mandioca e feijão. Na região centro-sul, mais próxima dos portos e de maior fertilidade, a cana-de-açúcar substituiu as lavouras de milho, mandioca e feijão, bem como a pecuária de leite e a pecuária de corte.
A expansão do eucalipto e a da cana de açúcar, que pretende dobrar a área cultivada em poucos anos, devem trazer enormes conseqüências ambientais, como a escassez de água e o aumento da poluição do ar por conta da queima da palha do canavial.
HISTÓRICO
Desde 1960 a produção de grãos no mundo aumentou em mais de 300%. A disponibilidade de alimentos por pessoa aumentou em 24%. E a produtividade média da agricultura nesse período aumentou em 150%. Nesse mesmo período, a população mundial cresceu apenas 100%, de 3 para 6,2 bilhões. Os países que mais consomem alimentos, por outro lado, continuam sendo os mais ricos:
Nos países ricos a população gasta cerca de 10% de sua renda com alimentação. Nos países pobres, a classe chamada média gasta 50% e os mais de 80%! Atualmente, em todo mundo, cerca de 100 mil pessoas morrem de fome todos os dias, em especial crianças e idosos. A fome causada por problemas climáticos atinge apenas 5% dos famélicos. Os demais 95% passam fome por problemas estruturais da economia e da política e vivem em países que poderiam produzir seus próprios alimentos.
Em 1960 se estimava que houvesse 80 milhões de pessoas que passavam fome. Em 2006, eram já 880 milhões. Mais de 60% das pessoas que passam fome vivem no meio rural. Cerca de 515 milhões vivem na ÁSIA, cerca de 24% de toda população continental, enquanto que 186 milhões vivem na África, onde a fome chega a 34% da população do continente.
Até 1960 a maioria dos países era auto-suficiente na produção dos alimentos de seus povos, com exceção de países com muitas dificuldades climáticas nas regiões da África. Hoje, 70% de todos os paises do hemisfério sul são importadores de alimentos. Neles, 122 paises, vivem 4,8 bilhões de pessoas. Há atualmente 33 países no mundo que estão em completa crise alimentar e instabilidade social. Estes países não conseguirão mais, com o atual modelo de agricultura industrial alimentar sua população.
Na atualidade, o crescimento da produção de biocombustíveis pode a médio ou largo prazo também aprofundar o problema. A produção de etanol no Brasil cresce rapidamente, diminuindo a área destinada à produção de alimentos. A isso se agrega a especulação com os alimentos, conseqüência do início da crise, e o deslocamento dos capitais especulativos para este “filão lucrativo”. Isso é só o início de um processo que terá conseqüências bem mais graves, com a generalização da recessão econômica que começou nos EUA.
O QUE É PRECISO FAZER?
As comunidades rurais e os movimentos sócio-ambientais devem ter voz decisiva na formulação das políticas para a produção de alimentos em harmonia com a natureza e as necessidades da sociedade. É preciso que o Estado retome com toda força as políticas agrícolas, porém agora voltadas apenas para agricultura ecológica e camponesa.
As principais políticas agrícolas necessárias são: planejamento ambientalmente sustentável das atividades econômicas do setor primário, crédito rural subsidiado na produção, garantia de compra da produção camponesa, seguro agrícola, assistência técnica e extensão rural do Estado (gratuita), sistema de armazenamento público. A produção dos bio-combustíveis deve subordinar-se à política de soberania alimentar e energética, ou seja, que não substitua áreas de produção de alimentos, mas que seja combinada em pluricultura. Assim, cada comunidade pode produzir, sem monocultivo, a energia que precisa para seu bem-estar.